Os nuances do mal em Vilão
outubro 19, 2020“Tchac.
Tchac.
Tchac.”
Eu queria muito ter palavras para expressar o que foi a leitura deste livro, então tentarei com bastante afinco porém sem garantir triunfar na tarefa. O livro é maravilhoso!
Eu já conhecia a V. E. Schwab por Tons de Magia, uma trilogia que eu particularmente adorei, mas mesmo assim eu de forma alguma estava preparada para como Vilão iria me atingir.
Talvez o enredo do livro não seja tão interessante para alguns, tratando assuntos como super heróis e como criar alguém com poderes para tal. O livro lembra demais os quadrinhos do gênero, é quase uma HQ em forma de livro. Mas mais do que isso Vilão é feito pelos nuances dos personagens e da complexidade da relação que eles possuem entre si.
Esqueça relacionamentos fáceis, as emoções estão tão entrelaçadas neste livro que é difícil ter certeza de qual delas é a mais dominante. Amizade, companheirismo, irmandade, inveja, segredos, desejo, ambição e traição; tudo isso se mistura e se cruza.
São esses sentimentos intrincados que trazem o enredo principal do livro, pois Vilão é essencialmente sobre vingança.
Fonte: Pinterest - Reprodução |
Victor e Eli são colegas de quarto da faculdade, estudantes da área de medicina e os melhores alunos do curso. Sendo tão compatíveis logo se tornam melhores amigos. Como no início temos mais contato com o ponto de vista do Victor, ele de cara pode parecer o mais sombrio dos dois. Observador, instigando um lado pouco visível de Eli ao mesmo tempo que as facetas de Eli o instigam, Victor é simultaneamente apoiador e sabotador, desejando o sucesso do amigo e sua derrota e ainda assim querendo fazer parte de tudo. Seus sentimentos parecem andar em voltas inconstantes.
“O que mais deixou Victor fascinado era o fato de que definitivamente havia algo de errado com Eli. O rapaz era como uma daquelas ilustrações cheias de pequenos erros, do tipo que só era possível encontrar examinando a imagem de todos os ângulos, e, mesmo assim, alguns passavam despercebidos.”
A forma como o livro é apresentado, com seus cortes de cenas, flashbacks, alternância de tempo entre passado e presente e até mesmo nas mudanças de quem narra cada parte traz importância e dá uma característica mais visual e gráfica ao livro. A cena de abertura define o tom da história, carrega a atmosfera da leitura que permanece até a conclusão.
Victor e Eli possuem contas a acertar, uma rivalidade que começou desde a faculdade quando ambos preparavam seus trabalhos de conclusão de curso. Envolvidos na ideia de comprovar a existência de EOs (ExtraOrdinários), pessoas com super poderes, Victor e Eli começam a criar suas teorias com uso do conhecimento científico. O tema de estudos dos dois acabam por ser complementares e não demora para que as mentes brilhantes descubram uma forma dos EOs serem feitos.
“Nas histórias em quadrinho, existem duas maneiras de se tornar um herói. Ou é inato ou é adquirido. Há tanto o Superman, que nasceu daquele jeito, quanto o Homem-Aranha, que se tornou o que é.”
Quando tudo dá errado depois de decidirem ir além, optando por testar a teoria, Victor e Eli cruzam uma linha perigosa por onde não há escapatória, com ambos extrapolando os limites e se transformando em dois adversários. Agora, anos depois, Victor finalmente está pronto para pôr em prática seus planos de vingança.
Com a ajuda de Mitch, um amigo recém saído da prisão, Victor tenta encontrar o paradeiro de Eli, que está mais perto do que se espera. Contudo, quando eles encontram uma garotinha machucada andando na beira da estrada todo o cenário muda de proporção, pois Sydney quase fora morta depois da irmã mais velha atraí-la para uma armadilha.
Schwab foi perspicaz ao construir alianças que num primeiro momento pareça não fazer sentido. Mas logo percebemos que todos estão entrelaçados em uma grande cama de gato. Victor logo descobre que, assim como ele e Eli, tanto Sydney quanto sua irmã, Serena, também são EOs. No entanto, diante do cenário de escolher seu aliado, cada irmã fica disposta de um lado da moeda, sendo por escolha ou consequência.
"E nós nos falamos como os inimigos mais íntimos". Fonte:8tracks - Reprodução. |
O livro tem dois tempos narrativos, alternando entre o passado e o presente. Algo aconteceu quando Victor e Eli estavam na faculdade e rompeu a amizade entre eles. Essa alternância da narrativa se constrói lentamente e ao mesmo tempo preenche os buracos que faltam para entendermos o quadro completo, quando é revelado o fato crucial que culminou nos sentimentos de raiva que ambos nutrem pelo outro. No momento em que finalmente passado e presente se completam com todas as cartas na mesa, o foco passa a ser nos planos que estão sendo formados. Dominando as informações cruciais de que precisava, Victor Vale está a vários passos de conseguir o encontro que tanto deseja.
Uma das vantagens de Vilão ser um livro na terceira pessoa, é que a autora soube aproveitar seus personagens. E é muito bom poder perceber o porquê das ações deles, o que os levou a chegarem no ponto em que estão. Nenhum lado está completamente certo ou errado, suas crenças são fundamentadas por mais deturpadas que sejam.
“— Ele não é um homem mau — retrucou ela.
— Não existem homens bons nesse jogo.”
Por mais que a obra não se prenda na discussão entre quem é o verdadeiro vilão ou o mocinho, a narrativa nos mostra as motivações. Há um jogo perigoso acontecendo, Victor e Eli estão dispostos a fazerem de tudo para vencer um ao outro, mas ambos possuem motivações diferentes, trajetórias e desvios que os fazem ser quem são. Todos aqui estão comprometidos e manchados. Tendo os dois cometido crimes, talvez o limite cruzado tenha ido longe demais, talvez não haja mais limite. E ninguém é capaz de pará-los.
Compreender o ponto de vista do Eli faz diferença. Sua construção, começando como amigo de Victor, mostra a relação fácil que os dois tinham. Ajuda que ele era um tanto popular, sociável e uma pessoa de quem todos gostavam. Mas olhando de perto seus atos depois da transformação dele e de Victor em EOs, Eli parece até pretensioso, usando uma capa de inocência que não lhe cai bem. Culpando Victor pelo que aconteceu com eles, não reconhecendo mais o amigo e definindo-o como algo mau, Eli tenta se desvincular da responsabilidade do que fez. Em busca de um sentido para todos os atos hediondos que cometeu, ele encontra uma forma de explicação, acreditando que a escolha do seu dom foi um sinal divino.
“— Ele me disse que também é um de nós.
— Ele é um ExtraOrdinário, sim.
— Qual é o poder dele?
— Hipocrisia.”
Outra personagem que rouba a cena é Sydney. Colocar uma criança no meio de um livro como esse não me pareceu uma boa ideia a princípio. Mas Sydney é uma personagem fundamental que move as engrenagens da história, que tira um pouco do tom sombrio dominante no livro. Gosto da relação de confiança que ela cria com Victor, feita aos poucos, e que por mais perdida que ela esteja, tenha encontrado um lugar no qual se sente parte. A traição da irmã ainda é algo que a machuca, Sydney luta com o amor que sentia por Serena e a imagem do que ela é agora sem compreender exatamente no porquê a irmã segue as opiniões de Eli e o ajuda.
Serena também é alguém que tem dúvidas. Talvez o que ela faz não seja completamente correto, mas compreendendo o que eles são, ela sabe que há algo errado. É interessante como o poder dela muda sua perspectiva sobre o mundo, talvez nada esteja certo, talvez não faça tanto sentido ou diferença.
No chegado momento, quando tudo é posto no seu devido lugar e Victor e Eli finalmente tem seu acerto de contas, pequenas reviravoltas acontecem e mudam certos determinantes. Mas Victor esperou longamente por isso e Eli irá até o fim, se com traição e mentiras tudo isso começou, então que seja com planos e armadilhas que isso termine.
Fonte: Pinterest - reprodução |
Tenho que dizer que esse sentimento de que tudo vai dar errado é levemente aflitante, o desfecho com certeza não era o que eu esperava, mas a cena final é perfeita traçando um paralelo com o início do livro e abrindo um gancho para a continuação.
A escrita da V. E. Schwab é fluida, traz certa tensão, uma atmosfera carregada desde as primeiras linhas. Os personagens são bem construídos, é impossível não torcer por eles, sentir suas emoções dispostas nas páginas, e principalmente, entendê-los.
Vilão com toda a certeza foi uma das minhas melhores leituras deste ano, eu simplesmente me apaixonei ainda mais pela V. E. Schwab e provavelmente lerei tudo o que essa mulher escrever. Apenas leiam este livro incrível.
Ficha Técnica:
Autor: V. E. Schwab
Tradutor: Flavia de Lavor
Editora: Record
Para comprar Vilão: https://amzn.to/30XTK2e
(Utilizando este link você ajuda o blog a crescer.)
0 comentários